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17/05/2025

Resenha: Pachinko (Min Jin Lee)

 

Resenha:
Pachinko
 (Min Jin Lee)


Introdução

Pachinko é uma daquelas leituras que permanecem com o leitor por muito tempo após a última página. Escrito pela autora coreano-americana Min Jin Lee, o romance foi finalista do National Book Award e é amplamente aclamado como uma das mais importantes obras da literatura contemporânea sobre identidade, imigração e pertencimento. Ambientado entre a Coreia e o Japão, o livro atravessa quase um século de história, acompanhando quatro gerações de uma família coreana que luta por dignidade e sobrevivência em um país que nunca os aceita por completo.

Com uma escrita envolvente e profundamente sensível, Lee oferece uma narrativa grandiosa, mas extremamente íntima, mostrando que grandes eventos históricos sempre se manifestam nas vidas dos pequenos — nos afetos, nos gestos cotidianos, nas escolhas difíceis.

Enredo

Pachinko começa no início do século XX, em uma pequena vila na Coreia sob domínio japonês. Lá conhecemos Sunja, filha de um pescador, cuja vida muda drasticamente ao se envolver com um homem misterioso. As consequências desse relacionamento colocam Sunja em uma jornada de migração, resistência e reconstrução. Ao longo do tempo, vemos sua família se estabelecer em Osaka, no Japão, onde os coreanos são marginalizados, discriminados e relegados a posições sociais inferiores.

Apesar das adversidades, a família persevera, e a narrativa acompanha filhos e netos de Sunja, revelando como as marcas da guerra, do exílio e do preconceito moldam cada nova geração. O título do livro faz referência às casas de pachinko — jogos de azar muito populares no Japão — onde muitos coreanos encontram sustento, apesar do estigma social.

Análise crítica

O que mais impressiona em Pachinko é a habilidade de Min Jin Lee de transformar uma narrativa familiar em um épico silencioso. Sua prosa é clara, fluida e sem exageros estilísticos, mas carrega uma carga emocional poderosa. Ao evitar o melodrama, Lee permite que os dramas falem por si mesmos — o que os torna ainda mais devastadores.

Os temas são múltiplos e profundamente humanos: identidade, pertencimento, lealdade, sacrifício e resiliência. A condição dos coreanos no Japão é retratada com precisão histórica e sensibilidade, e o preconceito institucionalizado, que atravessa décadas, mostra como a luta por dignidade é longa e desigual. A religião, o papel da mulher, as escolhas morais e o peso da herança familiar também são explorados com maturidade e equilíbrio.

Os personagens são complexos, falhos e reais. Sunja, em especial, é inesquecível — símbolo de força silenciosa e amor incondicional. Mas mesmo os coadjuvantes têm profundidade, cada um com suas contradições e sonhos próprios. Pachinko é, acima de tudo, um romance sobre pessoas tentando viver com dignidade num mundo que frequentemente lhes nega essa possibilidade.

Conclusão

Pachinko é um romance belíssimo e comovente, que combina o escopo da história com a delicadeza dos detalhes íntimos. Min Jin Lee constrói um retrato vívido de uma família que, apesar de todas as perdas e dores, nunca deixa de lutar. É uma leitura intensa, que exige entrega, mas que recompensa com uma narrativa rica, empática e cheia de humanidade.

Recomendo para todos que se interessam por histórias sobre imigração, identidade e pertencimento, e para quem aprecia romances históricos bem construídos e com personagens inesquecíveis. Pachinko não é apenas um livro — é uma experiência literária profunda que nos lembra da força silenciosa dos que seguem em frente, mesmo quando o mundo insiste em empurrá-los para trás.

16/05/2025

Resenha: As Rãs (Mo Yan)

 


Resenha:
As Rãs
(Mo Yan)


Introdução

Poucos autores conseguem explorar com tanta ousadia e sensibilidade os paradoxos de um país quanto Mo Yan, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2012. Em As Rãs, publicado originalmente em 2009, o escritor chinês nos oferece uma narrativa ao mesmo tempo lírica e brutal sobre um dos temas mais delicados da história recente da China: a política do filho único. Combinando elementos autobiográficos, crítica social e realismo mágico, Mo Yan transforma uma história particular em um retrato universal das tensões entre dever, culpa, ideologia e humanidade.

As Rãs é um livro que provoca desconforto, reflexão e, sobretudo, empatia — não pelos extremos do regime, mas pelas pessoas que, mesmo sem escolha, tentam fazer o que acreditam ser o certo.

Enredo

Narrado por um dramaturgo chamado Tadpole, As Rãs reconstrói, em forma de cartas e memórias, a vida de sua tia Gugu — uma respeitada parteira e profissional da saúde que, com o tempo, se torna uma figura controversa por sua atuação inflexível na aplicação da política de controle populacional da China nas décadas de 1970 e 1980.

Ao longo do livro, acompanhamos a trajetória dessa mulher forte, inicialmente admirada por salvar vidas, e que depois passa a carregar a culpa de milhares de abortos e esterilizações forçadas. Entrelaçada a essa história está a própria transformação da sociedade chinesa, desde os tempos revolucionários até a abertura econômica. A figura simbólica das rãs — repetida em cenas oníricas e perturbadoras — funciona como metáfora para a maternidade, a fertilidade e os fantasmas do passado que insistem em retornar.

Análise crítica

As Rãs é, acima de tudo, uma obra sobre contradições. A maior delas talvez seja a própria protagonista: Gugu, ao mesmo tempo heroína e vilã, representa as ambiguidades morais daqueles que foram obrigados a escolher entre o bem coletivo e o sofrimento individual. Mo Yan não julga seus personagens com dureza, mas também não os isenta de responsabilidade — e é nessa tensão que a narrativa se torna mais poderosa.

O estilo do autor é inconfundível: mescla a tradição oral chinesa com uma escrita densa e repleta de imagens fortes. O realismo mágico aparece pontualmente, criando momentos de estranheza que ampliam a carga simbólica da narrativa. As cenas de parto, de repressão e de trauma são vívidas, e causam impacto emocional, mas nunca descambam para o sensacionalismo.

Ao expor as entranhas de uma política tão controversa como a do filho único, Mo Yan oferece ao leitor uma perspectiva rara: a da ambivalência. O autor não está interessado em panfletar ou absolver — ele quer, sobretudo, narrar. E, ao fazer isso com maestria, revela as cicatrizes profundas que décadas de controle ideológico deixaram nas famílias chinesas.

Conclusão

As Rãs é uma leitura desafiadora e necessária. Mo Yan entrega um romance intenso, repleto de dor, humanidade e crítica velada, que nos convida a refletir sobre os limites entre obediência e consciência, tradição e progresso, vida e ideologia. Com personagens complexos e uma prosa refinada, o autor constrói uma narrativa que ecoa muito além da realidade da China — ela fala de qualquer lugar onde o Estado se impõe sobre o corpo e o destino de seus cidadãos.

Recomendo esta obra para leitores que buscam não apenas boa literatura, mas também uma visão mais profunda sobre os dilemas humanos diante de políticas autoritárias. As Rãs é um espelho de um tempo que ainda reverbera — um romance inesquecível e corajoso, digno da grandeza de seu autor.