20/05/2025

Resenha: Terra Sonâmbula (Mia Couto)

 

Resenha:
Terra Sonâmbula
 (Mia Couto)


Introdução

Mia Couto é uma das vozes mais singulares da literatura de língua portuguesa. Nascido em Moçambique, o autor mistura realismo mágico, oralidade africana e uma poética única da linguagem para dar forma a narrativas que transcendem o tempo e o espaço. Em Terra Sonâmbula, publicado em 1992, Couto estreia no romance com uma obra que logo se consagraria como uma das mais importantes da literatura africana contemporânea.

O livro foi escolhido como uma das doze melhores obras africanas do século XX pela Fundação do Livro Africano, e não é difícil entender por quê. Terra Sonâmbula é ao mesmo tempo um retrato devastador de um país em guerra e uma celebração da imaginação como forma de resistência.

Enredo

A história se passa em Moçambique, durante um período indefinido de guerra civil. Em meio ao caos, dois personagens improváveis — Muidinga, um garoto doente e sonhador, e Tuahir, um velho contador de histórias — encontram refúgio em um ônibus queimado abandonado à beira de uma estrada poeirenta.

Ali, Muidinga descobre um conjunto de cadernos deixados por Kindzu, um homem que também buscava sentido em uma terra destruída. Ao ler esses cadernos em voz alta, o menino passa a viver duas histórias paralelas: a sua e a de Kindzu. Entre ficção e memória, presente e passado, os fios se entrelaçam num tecido narrativo rico e misterioso.

Análise crítica

A beleza de Terra Sonâmbula está, em grande parte, na linguagem. Mia Couto reinventa o português com uma liberdade poética que lembra Guimarães Rosa, mas com alma africana. Suas metáforas são orgânicas, seus neologismos carregam sabedoria popular, e sua escrita transforma miséria e dor em algo profundamente lírico.

A guerra, embora pano de fundo constante, não é o centro da narrativa. O foco está nas pessoas, nos afetos, na memória e na esperança que insiste em brotar mesmo em solo árido. Os personagens de Couto são sonhadores num mundo em ruínas, sobreviventes não só do conflito armado, mas da desesperança.

O enredo pode parecer fragmentado à primeira vista, mas há uma lógica de sonho que conduz tudo — como se o livro inteiro fosse uma longa vigília entre a realidade dura e a necessidade de sonhar. O título Terra Sonâmbula é perfeito: a terra (o país, o povo) anda como que dormindo, anestesiada pela violência, mas ainda viva, ainda movida por desejos, memórias e histórias.

Conclusão

Terra Sonâmbula é um livro que encanta pela linguagem e emociona pela humanidade. Com sensibilidade e uma voz narrativa profundamente original, Mia Couto nos convida a enxergar além da guerra, além da dor — e encontrar beleza na resistência poética de quem se recusa a deixar de sonhar.

Recomendo fortemente para quem busca uma leitura que desafia os sentidos, que mistura lirismo com crítica social, e que faz da literatura um ato de cura e esperança. Uma obra-prima da literatura africana e universal.

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